Brumadinho: Fiocruz detecta aumento no número de crianças de até 6 anos com presença excessiva de metal no organismo
Cientistas detectaram a existência de pelo menos uma de cinco substâncias (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês) em todas as amostras analisadas
Seis anos após o rompimento da barragem da Mineradora Vale, em Brumadinho (MG), deixar 270 mortos, um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz Minas e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra um aumento no número de crianças da cidade de 0 a 6 anos com presença de metais acima do valor recomendado na urina. Os cientistas detectaram a existência de pelo menos um de cinco metais (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês) em todas as amostras analisadas.
Segundo a pesquisa, o percentual total de crianças com níveis de arsênio acima do valor recomendado passou de 42%, em 2021, para 57%, em 2023. O aumento no período é ainda mais significativo nas regiões próximas a áreas do desastre e de mineração ativa.
Os especialistas da Fiocruz apontam que os resultados demonstram uma exposição aos metais e não uma intoxicação. O último quadro só poderia ser considerado após avaliação clínica e realização de outros exames para definir o diagnóstico.
“Recomenda-se uma avaliação médica para todos que apresentaram níveis acima dos limites biológicos recomendados, de forma que os resultados sejam analisados no contexto geral da sua saúde. Além disso, é necessária uma rede de atenção que permita realização de exames de dosagem desses metais não apenas na população identificada pelo projeto, mas para atender outras demandas do município”, aponta a Fiocruz.
A Vale informou, em nota, que também analisou amostras dos sedimentos e solos na Bacia do Paraopeba. De acordo com a empresa, foram coletadas mais de 400 amostras e feitas mais de seis mil análises, que “não apresentaram concentrações de elementos potencialmente tóxicos acima dos limites estabelecidos pela legislação” (leia íntegra o comunicado abaixo). A Vale acrescentou que ainda irá avaliar os resultados divulgados pela Fiocruz.
Tragédia humanitária
O rompimento da barragem, que poderia ser evitado, segundo as autoridades, se concretizou às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019 e se tornou a maior tragédia humanitária do Brasil, com 270 mortos, inclusive duas grávidas, e a contaminação de mais de 300 quilômetros do Rio Paraopeba, atingindo a população de 26 cidades.
De acordo com a investigação sobre o caso, o risco que os funcionários desconheciam era algo sabido pelo alto escalão da Vale S.A, responsável pela mina, e da TÜV SÜD, subsidiária alemã que certificou a segurança da estrutura. Por isso, as duas empresas, além de 16 então diretores, foram denunciados pelo Ministério Público. Depois de cinco anos, entretanto, não houve qualquer condenação criminal.
A tragédia de Brumadinho gerou milhares de processos judiciais, entre ações individuais e coletivas. Na esfera cível, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o governo de Minas e a Vale assinaram um Acordo Judicial de Reparação Integral, em 2021, que prevê o pagamento de R$ 37,68 bilhões em 160 projetos na Bacia de Paraopeba, o que vai desde programas de transferências de renda a monitoramentos ambientais e obras de segurança e reconstrução. De acordo com a Vale, 68% do montante já foram executados.
Já no âmbito criminal, a denúncia começou a cargo do Ministério Público de Minas, mas, no ano passado, o titular da ação virou o Ministério Público Federal, após três anos de discussões. Os denunciados respondem por 270 homicídios qualificados, crimes contra a fauna, a flora e crime de poluição. Segundo promotores e procuradores, “a situação inaceitável (intolerável) de segurança geotécnica da Barragem I da Mina Córrego do Feijão era plena e profundamente conhecida pelos denunciados”, que teriam sido omissos e assumiram “o risco de produzir os resultados mortes e danos ambientais decorrentes do rompimento”.
O principal argumento da acusação é que providências poderiam ser tomadas para evitar a tragédia. A investigação revelou que o risco da barragem era de conhecimento interno, inclusive exposto em um painel de especialistas um ano antes. De 1976, quando a estrutura foi criada, até 2005, os rejeitos foram despejados sem controle. Depois, houve tentativa de mudar as condições, mas ainda assim a situação era “intolerável” sob parâmetros de segurança e de riscos geotécnicos. A probabilidade de falha estava acima do limite aceitável, mostram os documentos acessados pelo inquérito.
‘Assassinato em massa’
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), classificou o episódio como “assassinato em massa”, durante a inauguração do “Memorial Brumadinho”, na comunidade do Córrego do Feijão, no sábado passado.
— Infelizmente, ainda não tivemos nenhuma condenação. O Poder Executivo pode aplicar multas e tomar diversas medidas, mas cabe ao Poder Judiciário punir quem tirou 272 vidas. Aqui, estamos falando de um assassinato em massa. Espero que a justiça seja feita, até para trazer um pouco mais de conforto a todos esses familiares que aguardam há seis anos, sem que nada tenha acontecido — afirmou o governador.
Leia a resposta da Vale
“A Vale informa que realizou uma extensa investigação nos sedimentos e solos na Bacia do Paraopeba, com intuito de avaliar possíveis impactos por conta do rompimento da Barragem B1 em 2019, em Brumadinho. Os resultados de mais de 400 amostras e 6 mil análises não apresentaram concentrações de elementos potencialmente tóxicos acima dos limites estabelecidos pela legislação. Com relação ao estudo divulgado nesta sexta-feira, a Vale ainda irá avaliar, detalhadamente, os resultados divulgados pela Fiocruz.
A Vale lembra que os esforços voltados à saúde foram estendidos a todos os moradores de Brumadinho e, em 2019, assinou acordo de cooperação com a prefeitura para repasses destinados à ampliação da assistência de saúde e psicossocial no município. Também foi implantado o Programa Ciclo Saúde, que fortaleceu a Rede de Atenção Básica em Brumadinho e em outros municípios afetados. Mais de 2.500 profissionais da área de saúde foram capacitados e mais de 5.000 equipamentos foram entregues para 143 Unidades Básicas de Saúde desses municípios.
No âmbito do Acordo Judicial de Reparação Integral, também há projetos com foco no fortalecimento dos serviços de saúde que vão desde aquisição de equipamentos médico/hospitalares, custeio de serviços até reformas/construção de unidades de saúde.
A Vale esclarece ainda que segue empenhada e comprometida com o propósito de reparar os impactos causados às pessoas, às comunidades e ao meio ambiente em Brumadinho”.
As informações são do O Globo.
Foto: Douglas Magno