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“Hoje foi o melhor dia da minha vida”, diz homem livre após 6 anos preso por crime que não cometeu

Leveza e liberdade, após acordar de um pesadelo completamente real. É assim que Leandro Soares, de 34 anos, se sente agora depois de passar 6 anos preso por um crime que não cometeu e finalmente conseguiu a absolvição.

A decisão foi proferida pela Turma de Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, nessa quinta-feira (22). De maneira unânime, os desembargadores reconheceram a inocência de Leandro.

O trabalhador braçal foi condenado por um latrocínio ocorrido em 19 de janeiro de 2015, Mirassol D’Oeste (a 300 km de Cuiabá).

Nesse dia, conforme o processo, dois suspeitos, usando capacetes de cor preta, entraram em uma casa. Armados com uma pistola 9 milímetros e uma bereta 22, os bandidos anunciaram o assalto a pai e filho.

Lauro Lazzaretti reagiu e acabou ferido por um dos criminosos. Depois do crime, a dupla fugiu sem levar nada.

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O início do pesadelo

Leandro estava em Mirassol para visitar a mãe que tinha dado à luz à filha mais nova, dias antes. A viagem do trabalhador aconteceu após uma diária no trabalho em uma propriedade da região.

 

Mas depois de conhecer a irmã caçula, Leandro foi parado por policiais que alegaram realizar uma abordagem de rotina. “Depois eles falaram que eu tinha matado alguém. Eu nunca tive passagem pela polícia”, lembra o rapaz.

Uma testemunha colocou Leandro na cena de crime. A mulher disse à polícia que viu dois homens falando sobre o assalto. Entretanto, o trabalhador afirma não conhecer a denunciante e nem o outro suspeito.

Leandro tentou argumentar mas nunca foi ouvido e acabou responsabilizado pelo latrocínio junto com João Domingos de Souza Bispo. Os dois foram condenados a 20 anos.

João confessou o crime e garantiu que Leandro não era seu comparsa, inclusive, sequer o conhecia.

Pior experiência

Leandro passou 5 anos em regime fechado (Foto: Divulgação)

“Eu não desejo para ninguém o que eu vivi lá dentro, fui muito humilhado”, lembra Leandro sobre os 5 anos que passou no presídio de Mirassol.

Quando foi preso, o rapaz perdeu a esposa que foi embora e levou os dois filhos do casal. À época, as crianças tinham 7 e 1 ano de idade.

A avó, idosa com quem o rapaz morava na zona rural, nunca teve condições de visitá-lo. A mãe era quem, com muito custo, ainda ia ver o filho e tentava lutar pela sua liberdade.

Ainda que parte dos funcionários e até mesmo presos acreditassem em Leandro a pressão era tamanha que o rapaz tentou suicídio por três vezes.

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Um novo olhar no processo

Apesar das dificuldades, Leandro ainda tentava provar sua inocência. Nesse período, contou com o apoio de outros detentos que fizeram um abaixo-assinado em sua defesa.

Em 2018, um novo capítulo começou a ser escrito nessa história. O defensor público Guilherme Ribeiro Rigon, nas visitas que fazia ao presídio de Mirassol, soube do caso e decidiu olhar o processo.

“Desde os primeiros atendimentos na cadeia pública de Mirassol foi possível perceber que Leandro era diferente”, afirmou Rigon.

Ali, em meio a tantas páginas, uma carta anônima chamou a atenção. O texto apontava o segundo envolvido no latrocínio e indicava ainda onde a arma bereta 22 estava.

O suspeito R.B.P. estava preso em São José dos Quatro Marcos, cidade vizinha a Mirassol. O rapaz respondia por ato infracional equiparado a roubo praticado oito dias após o latrocínio que vitimou Lazzaretti.

Porém, não foi possível fazer o confronto balístico porque os cartuchos retirados do corpo da vítima e do local do latrocínio tinham sido destruídos.

Ainda assim, Rigon pediu uma audiência que foi realizada em agosto de 2020. O filho de Lauro Lazzaretti disse que a arma bereta era muito semelhante àquela usada no crime que vitimou seu pai.

Com relação a Leandro, o homem disse que não poderia afirmar esse envolvimento porque não conseguiu ver os rostos dos suspeitos que estavam de capacete.

Já R. admitiu ter participado do latrocínio de Lazzaretti – como era menor à época dos fatos não pode mais ser responsabilizado. O jovem ainda negou conhecer Leandro.

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Novas provas e novo pedido

A mãe de Leandro conseguiu o contato das advogadas Daiane Rodrigues Gomes Coelho e Jacqueline Oliveira Mesquita que compraram a briga e propuseram mais uma revisão criminal.

A terceira delas, mas agora, com novas provas, como a arma e o depoimento de R., além das declarações de um patrão e da avó de Leandro.

As advogadas conseguiram alteração do cumprimento da pena para regime domiciliar, em dezembro do ano passado.

Nessa fase, Leandro contou com mais um apoio importante, o de Fabiana Feitoza da Silva, de 36 anos.

Leandro e Fabiana hoje comemoram a liberdade do rapaz (Foto: Arquivo pessoal)

A cozinheira trabalhou no presídio onde o rapaz cumpria pena e lembra que ouviu de vários funcionários que Leandro era inocente e estava pagando por algo que não cometeu.

Juntos enfrentaram essa nova etapa.

Meses arrastados

Esperar pela decisão final não foi fácil. Os meses demoraram a passar, ainda mais sem poder trabalhar e ajudar em casa.

A responsabilidade de cuidar de tudo e trazer o dinheiro para pagar as contas ficou com Fabiana. “É horrível não poder trabalhar”, definiu Leandro.

Leandro passou 1 ano e 9 meses em prisão domiciliar (Foto: Divulgação / Canal Diário)

Há alguns dias, o rapaz precisou passar por uma cirurgia de úlcera e ficou ainda mais complicada a situação.

No mês passado, o julgamento do pedido de revisão criminal começou. O desembargador Marcos Machado pediu vistas do processo e a decisão se arrastou por mais 36 dias, até a nova sessão.

A resposta esperada

O desembargador relator do acórdão, Paulo da Cunha, pontuou que “assim diante de todas as novas provas apresentadas nesta oportunidade, a conclusão a que se chega é que o revisionando não participou da ação delitiva pela qual foi condenado.”

O voto do relator foi acompanhado de forma unânime pelos demais desembargadores.

A notícia foi comunicada a Leandro por uma de suas advogadas. Jacqueline chegou ao final da tarde e ainda fez uma brincadeira. “Ela disse que não tinha dado certo e eu só pensei, ‘o que eu vou fazer agora’”, relatou Leandro.

Jacqueline comentou que a decisão unânime demonstra que apesar de um erro judiciário gravíssimo foi possível reverter a situação. Contudo, é preciso pensar quantos “Leandros” mais não existem nos presídios país afora e afirma que buscará uma indenização para o rapaz.

Leandro compartilha a alegria da liberdade coma mulher, Fabiana, e a advogada Jacqueline (Foto: Arquivo pessoal)

“A investigação brasileira é muito falha e o erro começou ali no início, podemos dizer. Mas o que importa é que hoje o Leandro conseguiu sua liberdade, a qual nunca deveria ter perdido”, complementou.

Daiane, a outra advogada, informou que foi pedida prioridade na expedição do alvará de soltura pela secretária do Tribunal de Justiça.

Rigon, o defensor público que deu o pontapé nessa nova fase, definiu o caso como emblemático e avaliou que o resultado da revisão criminal alivia o sentimento de injustiça que pairava sobre Leandro.

“Assim como demonstrou que a convicção somada com provas concretas podem desconstruir o que se considerava impossível”, reforçou.

Ao assimilar a notícia, o trabalhador disse ter tirado um peso do mundo das costas e pede que a Justiça como um todo, começando da polícia até a última parte do processo, tenham mais atenção aos casos.

“Todo mundo tem que fazer o seu serviço, mas com mais cuidado e não acreditando em qualquer declaração”, disse.

Agora, Leandro quer seguir em frente, buscar trabalho, juntar dinheiro para poder ir ver a avó e os filhos.

“É bom demais saber que você não deve nada a ninguém. Eu fiquei ansioso e tive medo que não desse certo. Mas deu e hoje é dia mais feliz da minha vida”, afirmou sorrindo de orelha a orelha.

Natália Araújo
jornalistanataliaaraujo@gmail.com
Fonte: olivre.com.br

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