Rondônia: Músico preso injustamente conta os dias de terror vividos na cadeia; “Vivi o luto dela diante da injustiça”
Rondônia — Após ficar um ano preso pelo crime de feminicídio que não cometeu, o cantor Cléverson Siebre tenta agora retornar à rotina fora do presídio. Ele acabou sendo inocentado na última semana depois de um novo laudo apontar que a vítima, Tatila Portugal, cometeu suicídio e não foi assassinada pelo ex-namorado.
O ex-acusado deixou a cadeia na última sexta-feira (24) em Ariquemes (RO), após o Ministério Público apresentar o novo laudo e pedir na justiça pela liberdade de Clérverson.
Nesta terça-feira (28), pela primeira vez, Cléverson concedeu entrevista ao g1 e falou sobre como foi ficar preso injustamente.“Eu vivi o luto dela diante de uma injustiça comigo. Eu pensava 24 horas nela. Dentro da cadeia, em uma cela 2x3m, sozinho, longe da minha família, amigos. A sensação foi de reviver o dia em que eu fui preso. Eu só pensava em mostrar que eu era inocente e que não poderia ter matado o amor da minha vida.”, revela.
Dia em que encontrou o corpo de Tatila
Em entrevista, Cléverson lembrou que momentos antes de sair do apartamento, no dia em que a jovem tirou a própria a vida, eles tiveram uma discussão.
“Eu fui egoísta e negligente. Eu estava trabalhando aqui na capital [Porto Velho], quando fui em até Ariquemes no dia em que tudo aconteceu. Nesse dia, meu irmão fez o aniversário dele e na ocasião pediu a namorada em casamento. Depois da festa e no retorno para casa, a Tatila me perguntou se eu ia pedi-la em casamento também, foi quando eu abri o jogo para ela e falei que estava em ascensão na minha carreira e não pensava em casamento. Ela brigou e eu sai do apartamento. Passei no posto e depois em outro lugar. Quando voltei, ela estava lá, pendurada“, lembra.
Segundo o cantor, a sensação de ter visto a jovem na cena de suicídio ficou em sua memória durante todo o tempo em que esteve preso.
Durante o primeiro depoimento, segundo Cléverson, um dos principais questionamentos que recebeu foi sobre ele ter mexido na cena [onde estava o corpo da namorada]. Sobre isso, Cléverson explica que o instinto foi o de querer “salvar” Tatila.
“Eu vi a Tati se mexer quando cheguei lá [apartamento], por isso, eu a peguei ela. Tentei salvar a mulher da minha vida. A omissão também é crime. Inclusive quando eu cheguei no hospital, a médica disse: “ela acabou de falecer”. Eu penso: ‘se eu tivesse chegado minutos antes, talvez eu a teria salvo’”, relata.
Enquanto esperava…
Por orientação dos próprios advogados, a família de Cléverson, se manteve discreta durante o tempo em que ele estava preso. Segundo o cantor, foi uma forma de não alarmar mais o caso.
Uma nova reconstituição da noite em que Tátila cometeu o suicídio foi realizada em março deste ano, a pedido da defesa. O cantor lembra que logo depois ele faz aniversário e, ainda aguardando o resultado da perícia, estava preso.
Os olhares acusatórios foi o que mais marcou Cléverson durante o tempo em que ele tentava provar sua inocência.
“Como cantor, eu sempre soube lidar com as críticas, mas a acusação, o olhar de ‘você matou um ser humano’.. Isso me massacrava. As pessoas me perguntavam: por que você mexeu no corpo? Por que não chamou o Samu? É muito fácil alguém falar. Talvez se fosse outra pessoa, alguém desconhecido, eu teria ligado”, contou.
Liberdade na leitura’
Para ‘ocupar o tempo’ dentro da cela, a leitura de livros se tornou um hábito para o cantor. Ele conta que ler foi um janela da liberdade enquanto estava na prisão.
“Meus dias eram todos iguais, mas o que aprendi a valorizar ainda mais foi a leitura. Passava o dia lendo e buscando debater os assuntos com outras pessoas lá dentro”, ressalta.
O retorno para casa
Na última sexta-feira, após decisão do juiz, Cléverson foi liberado. Ele descreve a sensação de estar fora do presídio após mais de um ano no regime fechado.
O cantor, que está há pouco mais de três dias em liberdade, conta que é preciso realizar um novo caminho: o de se reencontrar depois da cadeia.
“As pessoas aqui fora pensam: “tá lá dentro, está comendo e bebendo”. Mas ninguém tem noção do que é estar preso. O principal é a liberdade. Eu ficava, literalmente, 24h dentro de uma cela. A liberdade deve sempre prevalecer. O direito de ir e vir é imensurável. Quando de fato eu percebia que estava preso e não podia ir lá fora, isso faz a gente entender o preço da liberdade”, conta.
Quando questionado sobre as mudanças de um Cléverson que entrou na cadeia e o que saiu, o cantor diz ainda ser preciso tempo para refletir sobre.
“Eu ainda não tenho resposta para essa pergunta. Quem sabe daqui alguns anos. Na verdade não sei quem eu sou. Meu psicológico abalou. Eu vivi o luto dela, diante de uma injustiça comigo. Eu pensava 24h nela”, revela.
Família de Tatila
No último fim de semana, o g1 conversou com Elizete Portugal, avó de Tátila, e ela falou sobre reviravolta no caso. Também desabafou que a soltura do cantor deu a sensação da neta ter sido morta novamente.
“Estamos muito arrasados. Não estou entendendo mais nada. Tem alguma coisa muito estranha. Não aceitamos esse fato. A perícia, de primeiro momento, disse que não foi suicídio e que foi ele quem fez isso. Estamos todos arrasados. Parece que a Tatila morreu de novo. Não sei se vou aguentar passar tudo de novo“, contou a avó ao g1.
Caso Tatila Portugal
Há um ano, o cantor foi preso suspeito de matar a namorada e simular o suicídio dela em Ariquemes (RO), no Vale do Jamari. A jovem foi achada morta no dia 6 de setembro no apartamento do casal.
Enquanto ficou preso, Clérverson, através da sua defesa, chegou entrar com recurso até no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo pela liberdade, mas teve seu pedido negado.
Segundo o MP-RO, as novas provas reveladas pela perícia colocam em dúvida a primeira suspeita da investigação, de que a jovem tinha sido morta pelo namorado.
Por isso, foi requerido a soltura de Cléverson. Para a promotoria, o artista também não deve ser levado ao Tribunal do Júri, pois não há provas de que ele cometeu algum crime.
No Ministério Público de Rondônia, testemunhas ouvidas no caso são categóricas em dizer que Tatila não apresentava comportamento depressivo.